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Distorção da substituição tributária

A substituição tem limites, muitos dos quais já foram ultrapassados, ensejando medidas judiciais dos contribuintes

A substituição tem limites, muitos dos quais já foram ultrapassados, ensejando medidas judiciais dos contribuintes

Os três níveis de governo, União, estados e municípios, têm-se valido cada vez mais da substituição tributária como forma de centralizar a tributação em um dos elos das cadeias produtivas e com isso obter maiores receitas com menores esforços de fiscalização.

O Estado de São Paulo, especificamente, tem aumentado esse expediente agregando um grande número de produtos que se sujeitam a esse tipo de tributação.

Entretanto, a substituição tributária tem limites, muitos dos quais já foram ultrapassados, ensejando medidas judiciais dos contribuintes prejudicados.

Para que o assunto seja compreendido, torna-se necessário relembrar alguns conceitos básicos que parecem passar sem que as autoridades fiscais deles se apercebam.

Existe um princípio constitucional inamovível em matéria de tributos que é o da estrita legalidade da tributação, segundo o qual só se pode exigir do contribuinte o valor do tributo que se coadune com a sua descrição legal, nem um centavo a mais. Trata-se de defesa natural do patrimônio do particular contra o poder de arrecadação do Estado, que de outra forma seria discricionário, ilimitado, autocrático.

Portanto, o contribuinte só deve pagar o que está descrito na lei, sem que se possa "ampliar" conceitos legais (interpretação extensiva do fato gerador do tributo) e sem que se possa usar de "analogia" com situação fática similar (criação de fato gerador inexistente).

A hipótese de incidência tributária descrita na lei deve ocorrer na prática dos negócios para que então o contribuinte esteja obrigado a recolher tributos para os cofres públicos.

Em caso contrário (ou diverso) ainda que se possa alegar que a lei "esqueceu" de tributar certas hipóteses ou que a lei tenha sido "injusta" ao não tributar certos produtos ou pessoas ou mesmo que a lei leve a distorções econômicas evidentes, ainda assim o contribuinte nada tem a pagar se a hipótese legal não ocorreu ou, dito de outra maneira, se a transação feita não se adequou exatamente aos termos previstos pela lei.

Como estamos falando de princípio constitucional, a lei que o ferir será inconstitucional, ou seja, não existirá no mundo jurídico, bastando que assim seja declarado pelo Poder Judiciário.

Um dos desdobramentos naturais do princípio da estrita legalidade da tributação é a necessidade de haver uma relação jurídica (e não econômica) entre o contribuinte e o fato gerador do tributo, pois se não seria fácil ao fisco burlar o princípio atribuindo o tributo a pessoa que com ele não tenha relação, ainda que respeitando a hipótese legal.

Normalmente está obrigado ao tributo aquele que tenha uma relação direta e imediata com o fato gerador, tal como descrito na lei (o prestador do serviço quanto ao imposto de serviço, o estabelecimento industrial no que se refere ao imposto sobre produtos industrializados, o comerciante no que diz respeito ao imposto sobre a circulação de mercadorias).

Excepcionalmente, a lei pode atribuir a outrem o tributo, desde que haja uma relação indireta ou mediata.

Para manter os exemplos, o pagador dos serviços pode reter o imposto no ato do pagamento (agente de retenção), o fornecedor de matéria-prima ao estabelecimento industrial pode antecipar o recolhimento (substituição tributária) e o comerciante pode pagar por estimativa o imposto previsto para a etapa seguinte da circulação (idem). Em todos esses casos excepcionais, porém, não pode haver aumento da carga tributária do verdadeiro contribuinte, sob pena de ofensa ao princípio da estrita legalidade da tributação.

Os casos de substituição tributária começaram no campo do imposto de produtos industrializados, naquelas cadeias produtivas com poucos grandes fabricantes que fornecem a milhares de comerciantes (cigarros e bebidas).

Alguns fatores explicavam (como explicam até hoje) a vantagem da substituição.

Primeiramente se trata de imposto federal em que não se cogita de várias jurisdições, com complexos mecanismos de crédito e débito como é o caso do ICMS, ou com dúvidas sobre a quais prefeituras recolher, como no ISS.

Em segundo lugar, a concentração de grandes fabricantes justificava (como justifica) a cobrança antecipada com evidentes vantagens de fiscalização e recolhimento.

Por último, os comerciantes seguintes da cadeia iriam revender o produto (como o fazem) a consumidores finais, quando não se cogita de eventuais créditos por ocasião das aquisições.

O que funciona para o IPI não necessariamente deve ser aplicado para o ICMS, imposto estadual que carrega consigo uma das mais complexas e ineficientes estruturas de tributação, fruto das distorções (a maioria inconstitucional) que os governantes foram introduzindo ao longo do tempo em sua concepção original, de grande simplicidade, diga-se de passagem.

O uso da substituição tributária em quaisquer vendas de meio da cadeia produtiva confere ao processo, por definição, uma diferença entre o que deveria ser recolhido pelo comerciante substituído, caso não houvesse a substituição, e a quantia que acaba sendo paga pelo substituto.

Esse quadro é assim pela simples razão de que o substituto jamais pode ter conhecimento de duas variáveis dos comerciantes a ele seguintes na cadeia: o seu preço de venda (base para o seu débito tributário) e a sua estrutura de créditos (base para o cálculo final do imposto).

Como se verá em artigo subsequente, as distorções são enormes.

Por isso o uso indiscriminado da substituição tributária tem gerado ofensa ao princípio da estrita legalidade da tributação, ensejando aos contribuintes prejudicados ação judicial que venha a anular os atos administrativos ou regulamentares instituidores da maioria das hipóteses de substituição até agora criadas.

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