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Previdência deve respeitar a nova realidade do país

Mais de 30% dos trabalhadores brasileiros não possuem nenhum tipo de proteção social

O ministro da Previdência Social, Carlos Gabas, garantiu, em recente entrevista, que a situação previdenciária do Brasil não chegará ao ponto que está sendo visto hoje na França, paralisada por uma série de greves contra a proposta do governo francês de elevar a idade mínima para aposentadoria em dois anos. Segundo ele, os países europeus não modernizaram as regras da Previdência acompanhando o desenvolvimento da sociedade. "É preciso planejamento", disse o ministro, dando a entender que tal planejamento existiria no Brasil. Infelizmente, os fatos não confirmam a visão otimista do ministro.

 

Em primeiro lugar, a cobertura previdenciária no Brasil não é universal. Mais de 30% dos trabalhadores brasileiros não possuem nenhum tipo de proteção social, o que talvez seja o melhor indicador da injustiça e das desigualdades que ainda marcam o quadro social de nosso país. Um dos obstáculos à ampliação da cobertura, como o próprio governo já diagnosticou repetidas vezes, é o elevado custo para a contratação de um trabalhador com carteira assinada. O atual governo chegou a propor a redução desse custo, com a diminuição em seis pontos percentuais da contribuição patronal ao INSS. A proposta foi incluída em um projeto de reforma tributária, mas a iniciativa não prosperou.

Há 15 anos, o governo começou a mudar as regras do sistema previdenciário brasileiro, historicamente marcado por normas e privilégios que tornavam o regime insustentável do ponto de vista atuarial, como era o caso do direito que as pessoas tinham de acumular várias aposentadorias ou de se aposentar precocemente, alguns até mesmo aos 38 anos de idade. Vários desses absurdos foram corrigidos, mas, até agora, não foi possível instituir uma idade mínima para as aposentadorias concedidas no Regime Geral de Previdência Social (RGPS), critério utilizado por quase todos os países que possuem sistemas previdenciários.

O trabalhadores foram às ruas na França contra a proposta do governo Sarkozy de elevar em dois anos a idade mínima para requerer aposentadoria, passando-a de 60 anos para 62 anos, e de aumentar de 65 para 67 anos a idade para aposentadoria integral. No Brasil, para os trabalhadores da iniciativa privada, o critério ainda é o tempo de contribuição, de 35 anos para os homens e de 30 anos para as mulheres.

É preciso observar também que o sistema previdenciário brasileiro privilegia os funcionários públicos, que têm regras muito mais generosas que os trabalhadores da iniciativa privada. O atual governo tentou igualar as regras dos servidores com aquelas válidas para o RGPS, com o estabelecimento de um teto máximo para as aposentadorias igual ao do INSS, estabelecendo a possibilidade de que os interessados pudessem complementar os valores com contribuições a um fundo de pensão. Embora tenha conseguido aprovar uma emenda constitucional que autoriza as alterações pretendidas, fracassou ao tentar regulamentar esse preceito por lei ordinária, curvando-se aos vários lobbies dos servidores que atuam no Congresso Nacional.

A mudança na França está sendo forçada pelo envelhecimento da população, pois, afortunadamente, as pessoas estão vivendo cada vez mais, o que eleva o custo de manutenção das aposentadorias e pensões. Fenômeno demográfico semelhante ocorre no Brasil, fruto da redução da mortalidade e da diminuição da fecundidade. As pessoas estão vivendo mais e as mulheres estão tendo menos filhos. Esse fenômeno projeta sérias dificuldades futuras para o sistema previdenciário brasileiro e as regras devem ser ajustadas a essa nova realidade do país.

O Brasil terá uma "janela demográfica" para resolver o problema de financiamento de seu sistema previdenciário. As projeções do IBGE indicam que os brasileiros com mais de 65 anos serão 13,3% da população em 2030. Hoje, representam 6,8%. Estudos do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) mostram que a população em idade ativa deverá crescer até 2030. Depois, diminuirá.

As autoridades precisam, portanto, encaminhar propostas ao Congresso, pois o tempo ainda está a nosso favor. E não devem dar ouvidos àqueles que não querem mudanças e, por isso, propõem utilizar as riquezas do pré-sal para financiar o sistema previdenciário. O dinheiro do pré-sal deve ser usado para garantir o futuro das novas gerações, com investimentos maciços em educação, cultura e ciência e tecnologia.

 

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