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Lucro das multinacionais: Brasil não vai renunciar à sua fatia
Hugo Amano*
O ano de 2024 foi um ano de mudanças relevantes na legislação tributária do Brasil. As novas regras de preços de transferência alinhadas às diretrizes da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) entraram em vigência, regulamentação da reforma tributária do consumo, introdução da DIRBI e finalmente as regras do Pilar 2, que prevê impor um limite à guerra fiscal.
Isso ocorrerá por meio do imposto sobre a renda das empresas, com a introdução de uma tributação mínima global para que os países possam proteger as suas bases tributárias. A OCDE estima que o imposto mínimo global sobre o rendimento dos grupos multinacionais, à alíquota de 15%, gere anualmente cerca de US$ 150 bilhões em arrecadação aos Governos. Por aqui, a Receita Federal do Brasil (RFB) espera uma arrecadação adicional de R$ 3,4 bilhões para 2026, R$ 7,2 bilhões para 2027 e de R$ 7,7 bilhões em 2028.
A Medida Provisória (MP) 1.262/2024 introduziu na legislação brasileira o adicional da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) com o objetivo de estabelecer uma alíquota mínima efetiva de 15% (quinze por cento) de tributo sobre o lucro (IRPJ e CSLL), adotando a abordagem internacionalmente conhecida como Qualified Domestic Minimum Top-up Tax (QDMTT). O objetivo é proteger e garantir que este adicional seja recolhido para o Brasil e não para outro país do grupo multinacional - o que é uma medida protetiva e de interesse de todos os Governos.
As regulamentações brasileiras estão totalmente alinhadas com a OCDE e contemplam todas as regras GloBE e outras diretrizes e procedimentos aprovados pelo Quadro Inclusivo OCDE/G20 até dezembro de 2023. A RFB estima que existam 8.704 empresas com receita anual acima de € 750 milhões e, desse total, 290 empresas fazem parte de uma multinacional com alíquota efetiva de tributo sobre o lucro abaixo de 15%.
A RFB também publicou a Instrução Normativa (IN) 2.228/2024, que detalha todos os procedimentos e requisitos para a implementação do Pilar 2. A IN contém 157 artigos e está em consulta pública até 10 de novembro, com o objetivo de aprimorar o texto da legislação.
A regra entrará em vigor a partir de 1º de janeiro de 2025 (desde que a MP seja aprovada em 2024) e o adicional da CSLL será recolhido até o último dia útil do sétimo mês após o término do ano fiscal, ou seja, o primeiro recolhimento será em julho de 2026.
O cálculo e suas variáveis são bastante complexos, mas de uma forma bem resumida o adicional da CSLL será determinado da seguinte forma:
- Alíquota efetiva: despesa com IRPJ/CSLL ajustada (tributos abrangidos ajustados) dividido pelo lucro ou prejuízo contábil ajustado (lucro ou prejuízo Globe);
- Percentual do adicional da CSLL: diferença positiva entre os 15% e a alíquota efetiva obtida;
- Lucros excedentes: diferença positiva entre o lucro líquido Globe e a exclusão do lucro baseado na substância (de 5% sobre a soma da folha de pagamento e dos ativos tangíveis);
- Adicional da CSLL da jurisdição: (Percentual do adicional da CSLL x Lucros excedentes) + Ajuste do Adicional da CSLL.
A legislação prevê a Regra Simplificadora Globe de Transição (RSGT), para os anos fiscais encerrados até 30 de junho de 2028, que é a dispensa de recolhimento (safe harbor) do adicional da CSLL nos seguintes casos: receita total inferior a € 10 milhões e lucro ou prejuízo inferior a € 1 milhão, alíquota efetiva igual ou superior a 16% em 2025 e 17% em 2026 ou lucro ou prejuízo igual ou inferior ao valor da Exclusão do Lucro baseada na Substância.
Importante destacar que caso a empresa opte por não aplicar a regra simplificadora no primeiro ano, ela não poderá ser mais ser aplicada.
A RSGT tomará como base as informações prestadas pelo grupo multinacional na Declaração País-a-País (DPP), instituída em 2016. A DPP (Country by Country Reporting) tem como objetivo fornecer uma visão geral da alocação global de renda do grupo multinacional e dos impostos pagos em cada um dos países em que atua. Trata-se de mais uma obrigação acessória relativa às regras de preços de transferência e poderá ser utilizado pelos Fiscos.
Existe uma importante relação entre o Pilar 2 e as regras de preços de transferência. Para o cálculo da alíquota efetiva no Pilar 2 é preciso considerar o tributo recolhido e o resultado da empresa. Esses dois números são diretamente afetados pelas regras de preços de transferência. Portanto, a empresa deve manter um estudo robusto de preços de transferência para que não tenha impacto no Pilar 2 em 2025 e em anos posteriores.
Como de costume, o contribuinte estará obrigado a prestar as informações relativas ao adicional da CSLL e, caso estas não sejam prestadas nos prazos estabelecidos, ou sejam prestadas com incorreções, erros ou omissões, as empresas terão um “incentivo” e estarão sujeitas a multas que podem chegar a R$ 10 milhões.
Além das atualizações tributárias mencionadas nos primeiros parágrafos, o Brasil ainda pode introduzir, nos próximos meses, as novas regras para tributação dos lucros auferidos no exterior e a aguardada reforma do Imposto de Renda Pessoa Jurídica, com a redução da alíquota nominal e a tributação da distribuição de dividendos.
O Pilar 2 representa um novo capítulo na história da tributação internacional. Mas será que essa medida será suficiente para combater a evasão fiscal e garantir a justiça tributária? A resposta a essa pergunta ainda está por ser escrita, mas uma coisa é certa: o debate sobre a tributação das multinacionais está apenas começando.
No caso do Brasil, podemos dizer que o mundo tributário nunca foi um mar tranquilo para navegar. Nos últimos tempos, porém, os desafios e emoções estão cada vez maiores. Com a instituição dessas novas regras e das reformas que estão por vir, o cenário tende a ser ainda mais instável.
*Hugo Amano é sócio de Tributos Diretos da BDO
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