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Economistas já veem sinais de desarticulação produtiva

Câmbio pode atrapalhar ciclo de crescimento sustentado

João Villaverde e Sergio Lamucci

O Brasil está prestes a retomar um ciclo de crescimento sustentado pelo consumo e pelo investimento, como ocorria antes da eclosão da crise mundial. A retomada, baseada na ampliação do emprego formal, no aumento da renda e na elevação do consumo doméstico, seria a combinação perfeita para estimular a produção. O principal entrave para a realização efetiva deste roteiro, contudo, está na persistente valorização do real, que incentiva a entrada de produtos importados no país e desestimula as vendas ao exterior, segundo consenso informal dos participantes do seminário "Perspectivas do Investimento no Brasil", organizado pelo Valor, com apoio do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e da Confederação Nacional da Indústria (CNI), ontem em São Paulo.



Segundo economistas da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), há uma desindustrialização em movimento diante da forte competição de produtos estrangeiros, principalmente chineses, impulsionados pelo dólar barato. O real apreciado, avaliam, pode "furar" esse ciclo de crescimento.



"A renda das famílias, em alta, está crescentemente se direcionando ao exterior, por meio da maior participação das importações no mercado interno, que retiram mercado das fábricas nacionais", afirma David Kupfer, economista da UFRJ, coordenador do Projeto Perspectiva do Investimento no Brasil (PIB). Para Kupfer, o país passa por uma desarticulação de cadeias produtivas. "Temos uma armadilha muito clara neste pós-crise: como a demanda externa por manufaturados não se mexe, somos tentados a vender à China, que adquire bens primários para, em seguida, adicionar valor agregado", raciocina.



A "armadilha", segundo o economista, seria uma combinação da doença holandesa - forte entrada de moeda estrangeira que inviabiliza a produção industrial local - com "doença brasileira", marcada pela heterogeneidade setorial, em que segmentos desenvolvidos e sofisticados convivem com setores decadentes. "Já vemos indícios de doença holandesa, mas o maior risco é de médio prazo, quando os dólares do pré-sal começarem a chegar", analisa. Para Helder Queiroz, também da UFRJ, "a doença holandesa", oriunda do pré-sal, "deve ser evitada a qualquer custo se quisermos, como país, desenvolver um novo ciclo de crescimento sustentável".



"Sem o pré-sal, já estamos profundamente vulneráveis com esta taxa de câmbio. O petróleo pode ser nossa redenção, se bem administrado, mas também pode ser um desastre para a indústria", afirma Humberto Barbato, presidente da Associação Brasileira de Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee). O câmbio, avalia, é o principal obstáculo para o adensamento de cadeias produtivas - desarticuladas pelo produto importado, que chega mais barato ao país.



O economista Fernando Sarti, da Unicamp, destaca três fases do desenvolvimento industrial nacional. Num primeiro momento, entre 1930 e 1980, há forte industrialização e substituição de importações, momento em que a indústria "liderava o crescimento acelerado do país". Após as turbulências dos primeiros anos da década de 1980, a indústria entra na segunda fase, que dura até 2004, caracterizada por perda de participação no conjunto da economia. "Em seguida", diz Sarti, "o país ingressa num breve ciclo de crescimento sustentado pela demanda doméstica [consumo e investimento] e liderado pela indústria".



Este ciclo, segundo ele, foi cortado pelo acirramento das turbulências mundiais no fim do ano passado, mas há a perspectiva de retomada desse ciclo. "O que não está claro é qual será a capacidade da indústria de capturar esse crescimento da demanda", afirma ele. O câmbio valorizado impõe o risco de que essa expansão do consumo e do investimento se dê com uma crescente oferta externa de bens e serviços, alerta Sarti.



A valorização cambial já ocorria no período pré-crise. Enquanto no fim de 2004 o dólar oscilava na faixa dos R$ 2,70, antes da crise, em agosto do ano passado, a taxa de câmbio batia em R$ 1,56. No fim de 2008, fechou em R$ 2,33. Hoje, a cotação oscila na casa dos R$ 1,70, próxima da verificada no pré-crise. "Não precisa ser economista para entender o estrago que essa oscilação causa no cálculo de investimento. É muito difícil ampliar investimentos com esse câmbio histérico que temos", afirma Mariano Laplane, economista da Unicamp.



A questão, defende Laplane, não está "necessariamente" na valorização cambial, mas na gangorra na cotação, que desestimula investimentos em inovação - "cruciais", diz ele, "para lançar o país numa rota de crescimento sem depender dos humores externos".



 


Poupança doméstica deve sustentar o crescimento, diz presidente do BNDES



 


A trajetória projetada para o déficit em conta corrente, que pode superar 3% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2010, é "preocupante", avalia o presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Luciano Coutinho. "Eu tenho reiterado sempre que um déficit muito superior a 1,5% do PIB não é muito saudável", disse ontem Coutinho, destacando a importância de o país estimular o aumento da poupança doméstica e de resistir a uma "excessiva apreciação" da taxa de câmbio.



Nos 12 meses até outubro, o rombo nas transações comerciais e de serviços e rendas do país com o exterior - a conta corrente - totalizou 1,3% do PIB, número que pode mais do que dobrar no ano que vem. O Bradesco projeta um déficit de 3,1% do PIB. "Nós deveríamos buscar condições para que o déficit não ultrapassasse certo nível, de tal maneira a não tornar vulnerável o que nós temos hoje, que é um colchão firme de reservas e um processo controlado de aumento de passivos externos", afirmou Coutinho, que participou ontem do seminário "Perspectivas do Investimento no Brasil", organizado pelo Valor, com apoio da Confederação Nacional da Indústria (CNI) e do BNDES.



Segundo ele, a solidez das contas externas foi um dos fatores que permitiram ao Brasil reagir bem ao impacto da crise global. A poupança externa é bem-vinda, mas é preciso tomar cuidado para não alimentar uma dependência exagerada dos fluxos externos, que são mais voláteis, disse Coutinho. "Nós temos que criar fortes incentivos à ampliação da poupança doméstica, concentrando um grande esforço para que ela seja o principal esteio do crescimento brasileiro daqui para a frente, e não a poupança externa."



Para ele, há vários instrumentos que podem ser adotados nessa estratégia. "O primeiro é ampliar os incentivos à poupança das famílias, como a vinculada à aquisição da casa própria, até porque o Brasil tem um imenso potencial de desenvolvimento do setor imobiliário". Coutinho destacou a importância da poupança das empresas, lembrando que o lucro das companhias é a principal fonte para financiar os investimentos.



Segundo Coutinho, também é necessário "tornar o setor público mais eficiente, de modo que ele possa prover os serviços públicos que são fundamentais, como educação, saúde e segurança, mas com mais eficiência, com crescimento da produtividade, para que a poupança fiscal possa subir." Coutinho disse considerar impossível que o gasto público não cresça, mas se mostrou favorável a uma redução do ritmo de expansão das despesas correntes. "Já o investimento público precisa aumentar", ressaltou ele, observando que a poupança institucional do sistema de fundos de pensão, da previdência complementar, também "devem ser estudadas e incentivadas no Brasil."



Questionado sobre a trajetória da taxa de câmbio, Coutinho afirmou que o país precisa resistir à apreciação excessiva do real, para não pagar uma "conta desproporcional do ajuste global". Ele lembrou que o patamar do câmbio "reflete um conjunto de fatores, como os juros zero nos EUA, taxas muito baixas no mundo inteiro, o excesso de liquidez global e a desvalorização global do dólar." Como alguns países como a China atrelaram as suas divisas à moeda americana, as pressões por valorização "desembocam em um conjunto limitado de moedas, entre elas o real".



Coutinho disse que a cobrança do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) de 2% na entrada de capital estrangeiro para a bolsa e a renda fixa "quebrou a expectativa" de que o dólar cairia a R$ 1,60, observando que a moeda tem oscilado mais perto de R$ 1,75. "Eu diria que o IOF é um início, um primeiro passo", afirmou ele, que destacou ainda a atuação do BC no mercado de câmbio. Para ele, as intervenções da autoridade monetária têm sido consistentes. (SL)



 


Além de recursos, infraestrutura demanda qualidade



 


O volume de investimentos em infraestrutura deve aumentar significativamente nos próximos anos, mas será indispensável modernizar o planejamento, o modo de elaborar os projetos e as formas de executá-los se o país quiser evitar gargalos e permitir um salto quantitativo e qualitativo do segmento no país. A avaliação é do professor Helder Queiroz, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). "Fazer mais do mesmo é importante, mas é insuficiente", afirmou ele, que participou do seminário "Perspectivas do Investimento no Brasil", organizado pelo Valor e apoiado pelo BNDES e pela Confederação Nacional da Indústria (CNI).



Para o período de 2009 a 2012, os "projetos firmes" de investimento em energia e infraestrutura totalizam R$ 518,5 bilhões, 58,8% a mais do que o registrado entre 2005 e 2008, segundo mapeamento do BNDES de junho. "Isso produzirá um importante impacto macroeconômico", diz Queiroz, ressaltando, porém, que será necessário uma mudança mais profunda para que o país escape de gargalos, enfatizando que o país precisa "de uma visão de planejamento mais integrada e sistêmica da infraestrutura".



Queiroz vê uma situação preocupante no segmento de transportes. O tamanho do território do país e a dificuldade para concluir os investimentos sem a redefinição do planejamento, da regulação setorial e de mecanismos de coordenação são algumas das dificuldades enfrentadas no setor. O risco, segundo ele, é de que o segmento de transportes se torne um ponto de estrangulamento à expansão da economia na próxima década.



Há déficits estruturais e sociais a serem compensados, além dos investimentos para a área de transportes. Segundo Queiroz, a situação é "melhor" no setor de energia, mas ainda existem entraves para acelerar a oferta, especialmente de fontes limpas. De acordo com o economista, "um projeto de construção de usina térmica, altamente poluidora, ganha licença ambiental em seis meses", enquanto uma usina hidrelétrica, diz ele, "chega a demorar dois anos". "Isso precisa ser equacionado."



O presidente da Associação Brasileira da Infraestrutura e das Indústrias de Base (Abdib), Paulo Godoy, deu a dimensão dos desafios no setor de saneamento, ao lembrar que o país hoje investe cerca de R$ 6 bilhões por ano, quando seriam necessários R$ 13 bilhões para a universalização dos serviços em 20 anos, uma meta pouco ambiciosa. Para o líder empresarial, é preciso mesclar investimentos públicos e privados, contando com coordenação do governo. O Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), avalia, é um passo importante para mudança de expectativas, ainda que o ritmo de andamento dos projetos seja desigual.



Para Fernando Sarti, economista da Unicamp, os dólares oriundos da exploração e exportação do petróleo do pré-sal devem ser alocados num fundo, que depois direcionaria os recursos para projetos industriais. "Há necessidade de financiamento interno e, ao mesmo tempo, de maior coordenação do setor público para diminuir desigualdades regionais", afirma Sarti, para quem o fundo poderia funcionar como "incentivador de exportações regionais", quer dizer, no intercâmbio comercial entre Estados e regiões. (JV e SL)


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