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O problema dos limites e da distinção das ordens

Como se formam as doutrinas e as ideologias organizacionais, as teorias e as práticas que vicejam no mundo corporativo, nas relações de trabalhos, nas circunstâncias da vida empresarial?

 

No cotidiano de nossas vidas perpassamos indistintamente por ordens de conduta convenientes que nos levam a atitudes e a comportamentos característicos de nossas identidades como pessoas. 
É evidente que essas ordens se fecundam reciprocamente, uma influencia a outra, e as distinções delas entre si só são possíveis para efeito didático ou pedagógico, não se distinguindo facilmente na realidade vivencial. São elas:


1. Ordem Tecnocientífica ou Econômica.

2. Ordem Jurídico-Política ou Institucional-Legal

3. Ordem Moral

4. Ordem Ética

5. Ordem Espiritual

Essas quatro primeiras ordens são necessárias para todos. A quinta ordem, ou seja, a Ordem Espiritual só o será para aqueles que têm claramente alguma crença religiosa ou perspectiva espiritual como referência em suas vidas.

No entanto, nenhuma delas é, por si só, suficiente. 
Não basta a si própria. Uma não funciona sem a outra; interagem, relacionam-se e influenciam-se reciprocamente. Mas cada uma delas tem a sua própria lógica, que subsiste sempre em interação com as demais.


No cotidiano, em verdade, todos nós estamos, sempre, simultaneamente, transitando por essas cinco ordens.

Por exemplo, imagine-se que você esteja num supermercado, fazendo as compras do mês. Ao fazer a opção pelos diferentes produtos oferecidos nas prateleiras você se encontra exposto à prevalência da Ordem Econômica ou Tecnocientífica.

O roubo de produtos é legalmente proibido pela Ordem Jurídico-Política ou Institucional-Legal, que criminaliza os shopliftters.

Mas, é claro, você nem se dá conta disso: não se permitiria a desonestidade de levar qualquer produto sem pagar em função dos limites que lhe são interpostos pela Ordem Moral.


E é bem possível que muitas de suas escolhas sejam influenciadas não só por sua consciência moral, mas também em função da sua preocupação ética com o meio-ambiente, por sua opção preferencial por produtos com selo verde, por sua recusa em comprar produtos de organizações que não tenham programas de responsabilidade social e de sustentabilidade. 
Todas essas circunstâncias condicionam o seu comportamento e atitudes pelos limites que lhe são interpostos pela Ordem Ética.


Mas a Ordem Espiritual também o influencia nas suas decisões de compra por razões dos fundamentos de sua crença religiosa ou por sua espiritualidade, o que para os demais clientes do supermercado podem não ter a menor importância, se não compartilharem com você das mesmas opções religiosas ou espiritualistas.


Assim, as sua consciência moral e ética e as suas opções religiosas ou espiritualistas , assim como o arcabouço institucional-legal da sociedade em que você vive não revogam a lei econômica da oferta e da procura, mas intervêm poderosamente na realidade do mercado, que necessariamente precisa se ajustar a todas essas circunstancialidades se quiser existir, crescer e se desenvolver.


O problema para o supermercado, sob o ponto de vista estritamente econômico, ou seja, referente à Ordem Econômica ou tecnocientifica, não é saber se você tem ou não tem moralmente razão de escolher um determinado produto com selo verde, ou produzido obedecendo às regras de sua crença religiosa ou espiritualista.


O que importa ao supermercado é saber se você vai comprar o produto que lhe é oferecido, se o custo/benefício desse produto hipotético comercialmente se justifica, se compensa para ele oferecer-lhe tal produto atendendo às suas opções morais, éticas e religiosas ou espiritualistas, constituintes das ordens moral, ética e espiritual. 
É claro, cumprido o requisito da legitimidade interposta pela Ordem Jurídico-Politica ou Institucional-Legal, ou seja, o pleno atendimento aos requisitos de legalidade e de licitude do ato que autoriza a produção e venda desse produto hipotético.


Na explicitação desse exemplo do supermercado, as representações legais, morais, éticas e religiosas ou espirituais intervêm na Ordem Econômica ou Tecnocientífica, tanto na decisão, na pesquisa e na forma de produção quanto na venda dos produtos oferecidos.

A descriminalização do aborto talvez seja outro caso bem ilustrativo do problema da distinção e dos limites das ordens.

Para a Ordem Tecnocientífica há muito a ciência controla os processos médicos adequados à sua realização sem riscos à paciente.

A autorização do aborto, no entanto, depende da Ordem Jurídico-Política ou Institucional-Legal, que estabelece as condições em que se deva realizar, de forma ampla ou restrita. Ou que não se deva realizar sob nenhuma circunstância.


A Ordem Institucional-Legal é limitada pela Ordem Moral, que, predominante na sociedade, possibilitará o grau de amplitude dos casos de aborto legalmente possíveis. Neste caso, a Ordem Moral é intrinsecamente conectada na prática de decisão à Ordem Ética.


Subsiste, então, a Ordem Espritual ou Religiosa, que atua poderosamente sobre as Ordens Ética, Moral e Institucional-Legal no sentido de proibir ou liberar a prática do aborto numa determinada sociedade.

O mesmo exemplo se aplica à liberação do jogo, à descriminalização do uso da maconha, à severidade das penalidades aplicadas aos réus condenados, ao uso das pesquisas de células-tronco, aos fetos anencefálicos, etc.

Por isso, necessitamos dessas cinco ordens ao mesmo tempo, em sua independência pelo menos relativa (cada uma tem sua lógica própria) e sua interação. 
Uma não pode funcionar sem as outras. Cada uma delas é independente, mas se mantêm em permanente interação, interinfluenciação e interdependência .

As cinco ordens são intrinsecamente necessárias. Nenhuma é auto-suficiente. Nenhuma se basta por si mesma.


Estamos sempre sendo confrontados em nossos cotidianos por essas cinco ordens: a) a Ordem Econômica ou
Tecnocientífica, estruturada internamente pela oposição entre o possível e o impossível de ser realizado, mas, por isso mesmo, incapaz de se auto-limitar;

b) limitada do exterior por uma segunda ordem, a Ordem Jurídico-Politica, que também se pode chamar de Ordem Institucional-Legal, a qual é estruturada internamente pela oposição entre o legal e o ilegal, mas também, igualmente como as demais, incapaz de se auto-limitar por si só.


c) Esta Ordem Econômica ou Tecnocientifica é também limitada, por sua vez, do exterior pela Ordem Moral, que se efetiva pela oposição entre o dever fazer e o não dever fazer, tomada pela perspectiva do foro íntimo, da escolha individual de cada um;


d) Finalmente, essas três primeiras ordens são complementadas e abertas por cima pela quarta ordem, a Ordem Ética, ou seja, a ordem do amor, do respeito ao próximo, do amor à humanidade, daquilo que julgo ou não adequado para os outros, para o conjunto da sociedade.


e) Claro, para aqueles que crêem em Deus ou em divindades transcendentes superiores ao homem, haveria uma quinta ordem, ou seja, a Ordem Espiritual, que, por sua vez, constrange e limita sobremaneira todas as demais ordens já que se fundamenta nos postulados da fé e das crenças professadas por cada um.

O universo da sociedade, e particularmente o mundo das organizações, objeto direto de nosso interesse neste texto, são decididamente condicionados pela busca de satisfação das determinações da hierarquia das ordens, que, ao fim e ao cabo, são a fonte e o limite das atitudes e dos comportamentos organizacionais, das doutrinas e das ideologias, das teorias e das práticas.

 

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